Aviação

“No longo prazo, acredito que não teremos mais as tão aclamadas tabelas fixas”

De Pernambuco para o mundo, e com milhões de milhas acumuladas e voadas no meio do caminho. Tico Brazileiro é daqueles criadores de conteúdo que vemos na internet falando com propriedade e muitas vezes polêmica. Não à toa, largou a advocacia para viver de algo que pulsa desde a infância: a aviação e viagens. O que era um hobby virou missão de vida. E ele leva isso a sério — mas com leveza, claro.

Nessa entrevista ao nosso editor Rodrigo Barnabé, Tico fala ao Pronto Pra Viajar com franqueza e bom humor sobre viagens, carreira, rotina, aviação e, claro, as lições que o céu ensina a quem tem coragem de decolar com propósito.

E para quem está de olho no futuro do universo das milhas e pontos, ele deixa um alerta: no longo prazo, o cenário dinâmico das emissões de passagens desse tipo exigirá, mais do que nunca, ampla estratégia, agilidade e conhecimento de quem quiser continuar voando alto pagando menos. E acredita que o modelo de “tabelas fixas” não deve se sustentar por muito tempo.

Aperte os cintos e embarque nessa leitura!

PPV: Qual foi a primeira vez que você andou de avião? Conte um pouco sobre esse fato e como isso influenciou na sua trajetória.

Tico Brazileiro: O ano era 1985, eu tinha 3 anos de idade. Minha família sempre amou viajar e já fiz uma primeira viagem de avião e internacional, com poucos anos de vida. Foi de Recife, minha cidade natal para Buenos Aires na Argentina. O voo de Recife para o Rio de Janeiro, foi pela Varig e o trecho da Cidade Maravilhosa para Buenos Aires, foi num Boeing 747-200 da Aerolineas Argentinas. Eu não lembro muito bem, mas minha família diz que eu saía correndo para subir na primeira classe, no upper deck do Jumbo.

PPV: Nos últimos anos, os influenciadores passaram a desempenhar um papel crucial na indústria do turismo. Como você enxerga o impacto do seu conteúdo no comportamento dos viajantes e consumidores de viagens?

TB: Eu cresci vendo o meu pai morar fora (passou uma temporada no Japão quando tinha 2 anos de idade) e ouvindo as histórias dele ter morado no Panamá, São Paulo e até mesmo a Venezuela – quando era tranquila. Além disso, via ele viajando quase todo mês e as vezes, toda semana. Ele me influenciou diretamente nessa paixão por aviação e viagens. Aprendi muito com ele sobre como viajar, fazer roteiros e buscar conhecimento, principalmente na cultura, gastronomia e história dos lugares. Quando crio um conteúdo, faço sempre buscando trazer algo diferente e que agregue, sempre nesses pilares de cultura, história e gastronomia, para que as pessoas entendam e se sintam dentro daquele momento e acabem viajando, junto comigo. Tento influenciar da forma positiva, sempre seguindo as regras e práticas que sejam boas para todos.

PPV: Você é advogado de formação. Como foi o seu processo de migração para o digital no que diz respeito à construção da sua marca pessoal?

TB: Eu escolhi a advocacia quando estava na oitava série do colégio, em 1998. Nem esperei chegar no ensino médio. E acredite se quiser, escolhi após assistir filmes como “Advogado do Diabo” e por fim, “O Mentiroso” (do Jim Carrey). Eu gostava do glamour da profissão que os filmes de Hollywood mostravam e eram bem diferentes da realidade brasileira. Com o tempo, entendi que enquanto eu trabalhasse pros outros, nunca iria evoluir e cansei, inclusive do glamour, que existiu em nível altíssimo quando fiz parte do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados. O que acelerava meu coração e fazia brilhar os olhos era viajar e entrar num avião. Até hoje é assim. E em 2018, após 10 anos no mesmo escritório, larguei tudo e fui fazer um intercâmbio de dois anos na Austrália. A decisão foi fácil, envolvia viagem. O que me motivava na advocacia era conseguir clientes fora de Recife, para poder me deslocar. Eu já compartilhava no YouTube, Instagram e Facebook as experiências de voo e viagens, mas a partir dali, a coisa se intensificou. Ganhei mais visibilidade quando recebi o Anderson (@196sonhos) na Austrália – cheguei a ganhar 5 mil seguidores de forma orgânica e após ter sido editor “relâmpago” no site Passageiro de Primeira. Dali, aproveitei o momento e fui construindo a marca que todos conhecem hoje.

Tico Brazileiro embarcando em voo da Varig em dezembro de 2006 / Arquivo Pessoal

PPV: Seu conteúdo foi evoluindo ao longo do tempo. Quais foram as principais mudanças que você implementou para manter a relevância e continuar crescendo nas plataformas digitais?

TB: Eu fiquei muito conhecido no meio da aviação e aeronáutica, por conta do conteúdo do YouTube e minha paixão e conhecimento profundo por essa indústria tão importante. Com o tempo, ampliei para conteúdos de turismo, com dicas de viagens e mostrando as experiências em cada lugar. O crescimento se deu quando junta esses dois públicos que no final, há uma convergência de interesses. Para viajar, você precisa de um avião. Foi legal que muitas pessoas que achavam que avião era um meio de transporte, passaram a se interessar pelo tema. A partir de 2020, apesar de sempre ter viajado com milhas desde 1997, passei a falar do tema – comecei a ver muita gente ensinando coisas erradas e imorais e entrei nisso apenas para ser um contraponto e ajudar todos a abrirem os olhos por que é “certo” e “errado”.

PPV: O mercado de influenciadores de viagens e milhas é bastante amplo e concorrido. Quais estratégias você adota para se diferenciar e manter a atenção do público?

TB: Autenticidade, sinceridade e realidade. Não gosto de soltar gatilhos. Além disso, toda experiência que tenho no mercado de milhas, não vi nenhum outro influenciador que use e viaje com milhas desde 1997. Não vi nenhum que mostrou passagens emitidas, só cadastros. Cadastro por cadastro, eu tenho no Smiles desde 1994. Mas uso e emissão de milhas, desde 1997 e sempre mostro a passagem para que todos vejam.

PPV: Você acredita que as redes sociais são hoje a principal fonte de inspiração e informação para os viajantes? Como os algoritmos das plataformas impactam na divulgação do seu conteúdo?

TB: As redes sociais podem ajudar, mas se a divulgação estiver nos canais ou influenciadores certos. Eu, como empresa, não posso vincular minha imagem a uma pessoa que prega jeitinhos e brechas, ou algo contra os princípios da marca, uma vez que aquele público que vê a publicidade pode entender a mensagem de uma forma errada. Então sempre digo que é importante o marketing das empresas buscarem não números, mas propósito e pessoas corretas para divulgar suas marcas. Por outro lado, vejo que sites e blogs, tem um impacto muito relevante, por ser um conteúdo mais sério e profissional, menos informal do que nas redes sociais.

PPV: Quais são os maiores desafios que você enfrenta ao criar conteúdo sobre viagens, aviação e milhas?

TB: Algumas pessoas que trazem vícios de outros perfis, que falam exatamente o que elas querem ouvir, para no final, vender um infoproduto. Eu sempre fui uma pessoa sincera e peço que todos sejam comigo. E às vezes, dizer a verdade nua e crua não é algo tão popular e bem visto pelo público. Não adianta eu falar que uma empresa não pode fazer algo que ela de fato pode, pelas regras. E eu falo. Ser sincero dessa forma e abrir os olhos das pessoas é algo bastante desafiador e gera desgastes e até inimizades. Mas no final, não devemos falar o que querem ouvir, mas o que é real, para que todos fiquem preparados e saibam o que esperar sobre algo.

PPV: Como você vê os modelos atuais de monetização do trabalho no digital? Parcerias com empresas do setor são fundamentais para a sustentabilidade do negócio?

TB: Com certeza. Cada dia que passa, o Instagram reduz o alcance de entrega de conteúdos e é um fator que desmotiva. Fazer parcerias estratégicas não apenas coroa um trabalho feito, mas o valoriza. Sem monetizar, o perfil é pessoal, e assim não vejo sentido compartilhar dicas.

PPV: O que motivou você a criar treinamentos digitais sobre emissões de passagens, milhas e hospedagem? Qual é o perfil do aluno que busca esse conhecimento?

TB: O perfil do meu aluno é aquele que quer viajar mais, pagando menos, sempre seguindo as regras. E noto que há predominância de um público com melhores condições financeiras. É uma galera seleta, que ama viajar e quer os caminhos para economizar na emissão da passagem da família, voar em cabines diferentes, como eu viajo. Em geral, meus treinamentos são turmas intimistas, com menos de 40 alunos. É bem seleto e eu consigo auxiliar e ajudar sempre, no grupo de alunos.

Fazendo a tradicional “degustação” de vinhos no ar / Arquivo Pessoal

PPV: Quais são as principais tendências que você enxerga para o setor de milhas e emissões de passagens nos próximos anos? Existe alguma inovação que pode transformar esse mercado?

TB: Acredito que as empresas precisam definir claramente se querem acabar ou não com a venda de milhas. Já temos decisões sólidas no STJ, que permitem elas cancelarem emissões, derrubar reservas. Acredito que desenvolvendo algoritmos precisos, eles matam esse mercado da noite pro dia e resolve o problema de quem tem milhas para viajar, aumentando a disponibilidade de assentos e reduzindo o custo das emissões. No longo prazo, acredito que não teremos mais as tabelas fixas tão aclamadas hoje. Pegando a Latam de exemplo, não é algo sustentável com um câmbio flutuante. Nesse sentido, a Azul e a GOL pensaram muito bem, adotando uma tabela dinâmica. Imagine um problema político sério no Brasil e o dólar passar de R$ 5,65 para R$ 9,00? A tabela fixa da Latam seria prejuízo para a empresa. É ótima pro usuário – eu amo – mas tenho minhas dúvidas se a empresa lucra com isso.

PPV: Como é a sua relação com outros influenciadores do nicho de viagens? Existe um espírito de colaboração ou funciona mais na base da competição?

TB: Já tive amizade com alguns, pelo menos de minha parte. Com o tempo, a gente vê que era puro oportunismo deles e interesse. Hoje, só tenho amizade mesmo de confiar, com 3 ou 4. Não completa nem mesmo uma mão inteira. E aqui uma sinceridade: quase todos são oportunistas, mas não todos. Se não, eu não teria amizade com ninguém.

PPV: Como você lida com a responsabilidade de compartilhar informações sobre passagens aéreas, promoções e estratégias do mundo das viagens? O que faz para garantir que seus seguidores não sejam expostos e prejudicados por mudanças repentinas nas regras dos programas?

TB: Não dou hacks nem falo de passagens milagrosas, vindas de bugs – isso acho desonesto. Eu mostro oportunidades sustentáveis, que qualquer pessoa pode aplicar e principalmente situações que eu já vivi, por saber como funciona, no caso de uma explicação mais profunda. É importante ir além da teoria e saber a prática, se não nem precisa viajar. Só ir no Google, como muitos fazem e se acham autoridade de algo que não são.

PPV: O setor de milhas já enfrentou algumas polêmicas, como desvalorização de programas e restrições impostas por companhias aéreas. Como você analisa esse cenário e o que aconselha para quem deseja entrar nesse universo?

TB: Sempre existiu isso, desde os tempos do Smiles na Varig. O que acontece é que as pessoas se acostumaram mal com aquele período de pandemia, entre 2020 e principalmente até o começo de 2023 e acharam que era aquela moleza e facilidade. Aquele foi um cenário atípico, em que todo mundo queria continuar a ganhar dinheiro e houve um forte estímulo para aquisição de milhas e pontos. Só na TAP, eu fiz quase 1.000.000 de milhas em meses. Veja como está hoje, é quase impossível conseguir isso. A desvalorização e restrições deverão aumentar e com razão, a medida que as pessoas insistam em quebrar algumas regras essenciais ao funcionamento dos programas de fidelidade.

PPV: Como você imagina que o mercado de aviação e viagens estará nos próximos 10 anos? Há alguma mudança que você acredita que impactará diretamente os viajantes?

TB: No Brasil, é impossível de prever, já que é um mercado bem complexo e complicado com relação a outros. Espero que tenhamos outras empresas, aumentando a concorrência e reduzindo as tarifas. Acredito em passagens pagantes com preços iguais ou próximos aos de passagens emitidas por milhas – isso já acontece de fato quando falamos de classe econômica e tenho notado uma quase equiparação em alguns trechos em executiva. O fim da tabela fixa também, por questões de sustentabilidade. Não vejo futuro nisso. Muito se fala em regulamentar o setor das milhas, se isso acontecer, certamente não usaremos os pontos e milhas como hoje, será bem diferente e talvez nem seja tão vantajoso. Temos que aguardar.

PPV: O setor de aviação tem sido cada vez mais questionado em relação a segurança. Como você vê essa discussão e acredita que os viajantes estão sendo mais críticos a respeito desse tema?

TB: Na verdade, o acesso a informação e até acontecimentos trágicos, se tornou rápido. Basta alguém ter um celular e pegar algo que nos anos 80, por exemplo, não se conseguia pegar. Só víamos a notícia horas depois. Eu entendo que a aviação está muito mais segura: temos mais aviões e pessoas voando diariamente e menos acidentes. O problema é que quando acontece, impressiona – inclusive eu mesmo fico chocado. Mas os números não podem mentir. Se puxar, veremos que tem tido muito mais aviões no ar e uma quantidade menor de acidentes.

PPV: Com o avanço da inteligência artificial e outras tecnologias, como você acha que isso impactará a forma como viajamos e consumimos conteúdo sobre turismo?

TB: Muito provavelmente a inteligência artificial irá substituir muita coisa. Eu acho isso lamentável, pois vai tirar um pouco da humanização do conteúdo. Isso é uma realidade.

PPV: Qual foi a viagem ou experiência mais marcante da sua trajetória como criador de conteúdo? E qual foi o maior desafio que já enfrentou em sua carreira?

TB: Meu intercâmbio foi um divisor de águas na minha vida. Além de marcante, foi bastante desafiador e onde mudei “na marra”. Sem dúvidas nenhuma.

PPV: Você acredita que ainda há espaço para novos criadores no nicho de viagens e milhas? Que conselho daria para quem deseja começar hoje a produzir conteúdo nesse setor?

TB: Viagens, sim. Milhas, acho que está saturado e muito mal visto – com razão. Muita gente falando bobagem e ensinando lorota ao longo dos anos, só usando gatilhos mentais baixos. O conselho que eu dou é: foca em viagens, a maioria esmagadora não entende de cultura, história e gastronomia e esse diferencial com certeza irá te destacar do meio de um monte de gente ecoando a mesma coisa.

PPV: Como você compara a cultura de acúmulo e uso de milhas no Brasil com outros mercados internacionais? O brasileiro tem explorado bem esse benefício ou ainda há muito desconhecimento?

TB: O brasileiro extrapola em tudo na vida, né? Se por um lado o conhecimento foi bom, que democratizou para muitas pessoas o acesso a esse mundo maravilhoso, também foi péssimo por ter muita gente que adquiriu o conhecimento com pessoas erradas e oportunistas. Nos EUA, Colômbia e Europa, é mais popular e entendo que as pessoas respeitam as regras e são mais educadas, por isso os programas são muito mais estáveis. Acho que a instabilidade que temos aqui é causada principalmente pelo comportamento das pessoas, impulsionado por pessoas erradas. Ainda é um tema desconhecido no Brasil, mas já melhorou muito nos últimos anos.

PPV: Quais são os seus próximos projetos e o que podemos esperar do Tico Brazileiro nos próximos anos? Há novos produtos, parcerias ou formatos de conteúdo que deseja explorar?

TB: Existem novos produtos em pauta, para atender uma demanda crescente que vive me procurando no Instagram por isso – ainda estou avaliando. Parcerias sempre estou aberto e confesso que é o meu trabalho favorito – divulgar marcas. Recentemente estive na Europa e divulguei dois hotéis da Accor e um tour em Roma. Sobre conteúdo, tenho desenvolvido muito mais coisas no YouTube, por ser uma plataforma mais acessível e que distribui melhor que o Instagram. Então há aquele gás de ânimo por lá. Mas por enquanto observamos as mudanças de algoritmos e movimentos em todos os cantos para alinhar com o que há de mais atual no mercado.

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